Já ouviu alguma canção do “Chicago Blues”? A pergunta é retórica, claro. A resposta, sugestiva: é bem provável que você já tenha ouvido sim, mesmo que desconheça o termo. Um estilo musical com marcante história e riquíssimo em cultura tem bases fundamentais em Chicago: o Blues.
Começando com um pouquinho de história:
O Blues não nasceu em Chicago. Ele veio do sul dos Estados Unidos, precisamente do delta do Mississipi e, podemos dizer, Chicago se encarregou de levá-lo ao mundo.
Uma “Grande Migração” de trabalhadores negros e pobres do sul para as cidades ricas do norte aconteceu na primeira metade do século XX. A cultura musical foi junto com eles. As canções eram lamentos da vida na labuta.
Entrevistamos um historiador para ajudar. Mais que isso, além de ter Mestrado em História, Jones Fiegenbaum é apaixonado por Blues e fomenta o estilo tocando guitarra na banda Just Blues (o nome diz tudo).
Foto: Edu W. Costa
“A música era ‘rural’. As chamadas Work Songs, em que um trabalhador gritava uma frase e outros respondiam. Por vezes com violão e gaita de boca, mas na maioria das vezes à capela. Chegando em Chicago, ela se eletrificou, com a guitarra elétrica junto ao baixo e à bateria”, diz Jones.
(Voltando ao momento presente)
Chicago é a cidade mais “Blueseira” e há lugares incríveis para viver a história do Chicago Blues. Começando pelo Chicago Blues Festival, o maior festival de Blues gratuito do mundo. Acontece em junho, no Millenium Park (clique aqui para ver o que rolou no festival desse ano).
Nas ruas de Chicago podemos nos deparar a qualquer momento com uma banda tocando uma jam de Blues. Mas um dos destaques que afirmam a valorização da cultura do Blues é a imensa imagem de Muddy Waters pintada pelo artista brasileiro Eduardo Kobra na 17 North State Street.
Bares de Blues não faltam. Se você vai pra Chicago, precisa colocar alguns deles no seu roteiro. Aqui vão 3 dicas e, na última, a gente conta uma experiência nossa 😉
Kingston Mines
Site oficial (com agenda, menu e mais informações): kingstonmines.com
Localização: 2548 North Halsted Street, Chicago, IL 60614
O lugar de uma das lendas do Chicago Blues era destino certo quando eu fui pra Chicago. Meu nome é Gian Bazzo, toco guitarra desde 1999 e, em 2017, lancei o livro “Guitarras Legendárias”, que conta histórias sobre as que considero mais importantes de todos os tempos. A guita do Buddy Guy, preta com bolinhas brancas, é uma delas.
Em 2018, quando fui pra Chicago, o bar Buddy Guy´s Legend´s logo entrou no meu roteiro. A sensação mais incrível foi a de estar num lugar sagrado da música.
As paredes contam histórias. Guitarras do Buddy não faltam. Mas um destaque é a medalha do Prêmio Kennedy Center Honors que Buddy recebeu do Presidente Barack Obama.
Infelizmente eu cheguei em Chicago no mês de fevereiro. Meses antes, planejando a viagem, mas já com passagens aéreas compradas, descobri que o próprio Buddy toca na casa em janeiro, antes de viajar pelos Estados Unidos no resto do ano.
Cheguei no bar ao anoitecer, antes do show principal, que começaria pelas 9 PM. Comi um belo prato de camarões com a minha esposa, bebemos cervejas e drinks, e curtimos um Blueseiro tocando guitarra e cantando. Na saída, é claro, compramos alguns souvenirs.
Fundado em 1989, nesses 30 anos, o palco do Buddy Guy’s recebeu nomes como Eric Clapton, BB King e The Rolling Stones 😮
Site oficial (com agenda, menu e mais informações): buddyguy.com
Localização: 700 S. Wabash, Chicago, IL 60605
Museu do Blues
Chicago também tem planos para um museu sobre o Chicago Blues. Esta notícia do Chicago Tribune de 2017 menciona a organização Chicago Blues Experience, que criaria um espaço para uma lendária experiência pela cena Blues na capital mundial do Blues. A fundação que seria em 2019, segundo outras fontes, parece ter sido adiada para 2020.
O site oficial da Chicago Blues Experience está um pouco desatualizado, então não conseguimos informações sobre a efetiva abertura do espaço. Mas o menu “Artist Board” tem nomes de peso como Buddy Guy (descrito como Chairman), integrantes dos Rolling Stones e artistas do Blues atual, como Joe Bonamassa, Gary Clark Jr. e Derek Trucks.
Mas antes de voltarmos a um pouco mais de história, quer mais um sinal da importância cultural do Blues? (Pergunta retórica… de novo).
O ex-Presidente Barack Obama, dá a resposta neste vídeo:
Acompanhado de lendas como B.B. King, Jeff Beck, Mick Jagger e Buddy Guy, ele cantou “Sweet Home Chicago” (uma das 29 canções deixadas por Robert Johnson – se contarmos histórias sobre ele, vamos longe… Mas indicamos o clássico filme “A Encruzilhada”).
Obama se mudou pra Chicago aos 24 anos e a teve como base política. Após ser Presidente, escolheu Chicago como sede para o seu Centro Presidencial (biblioteca com o acervo de Obama disposto ao público). Obama é um torcedor do Chicago White Sox.
(Voltando às origens)
Foto: Lidiane Mallmann
“A doçura impetuosa de Etta James (a melhor de todas – pra mim), a harmônica endiabrada de Little Walter, o mais uivante e gigantesco lamento de Howlin’ Wolf. Na minha minha percepção, são o que melhor retratam esse estilo tão marcante e inspirador”, diz Marcelo Petter, Jornalista, Coordenador da Rádio Univates FM e apresentador do Programa 95 & Blues.
Marcelo já admirava o estilo, mas o seu interesse foi despertado pelo filme Cadillac Records (2008), que conta a trajetória da gravadora Chess Records e a ascensão dos seus artistas.
Uma cena do filme mostra Muddy Waters eletrificando o seu instrumento nas ruas da cidade e vestindo com uma “roupa nova” o velho Blues do delta que veio do Mississipi, aliás, de onde veio também Muddy. Em outra cena, garotos Ingleses surgem na frente da gravadora demonstrando-se fãs de nomes do Blues que ali gravavam: eram os – ainda desconhecidos – Rolling Stones.
Beyoncé interpreta Etta James no filme Cadillac Records (2008).
“A Chess Records, fundada em 1950 por dois irmãos, é considerada a grande responsável pela popularização do Chicago Blues. Percebendo o potencial do estilo ao gravar artistas do Blues, os discos foram para a Inglaterra e influenciaram uma nova geração de músicos, criando assim as raízes do Rock And Roll”, diz o Historiador, Jones Fiegenbaum.
Imagine o paradoxo: no período pós Segunda Guerra Mundial, com os Estados Unidos em plena política de segregação racial, jovens ingleses brancos passam a admirar músicos negros americanos, principalmente do Blues. E assim, Rolling Stones e Yardbirds (que se transformaria no Led Zeppelin), bandas com origens no Blues, fizeram história para serem reconhecidas até hoje como as maiores bandas do Rock And Roll.
Muddy mesmo disse: “O Blues teve um filho… e o nome dele é Rock And Roll”. Artistas como Chuck Berry, considerado o Pai do Rock And Roll, começou tocando Blues.
Marcelo completa: “Emociona relembrar e falar sobre o Chicago Blues. Assim como afirma o Muddy, digo que o ’95 & Blues’ é filho legítimo do Chicago Blues (risos). Falo que o Blues saiu do Mississippi, fez conexão em Chicago e ganhou o mundo…”
E ele indica: “Partindo dessas primeiras lendas, um número interminável de artistas complementaram a minha playlist. Sonny Boy Williamson II, B.B. King, Freddy King, Big Mama Thornton, Koko Taylor, Junior Wells, Elmore James, Big Walter Horton, Luther Allison, Otis Rush, Willie Dixon… a lista não acaba”
O Chicago Blues é um importantíssimo pedaço da cultura de Chicago. Ele vive nas ruas, nos museus e nas histórias das pessoas de Chicago. Esta matéria poderia se estender por incontáveis parágrafos, tão rica é a história do Blues que surgiu de Chicago.
Enfim, se você gosta de música e gosta de Blues, poderá conhecer melhor muitos nomes importantes e, como ponto de partida, veja esta lista.