A melhor carne do mundo

Passei uma semana em Chicago, no feriado de Natal. Aí está uma cidade que você tem de conhecer. Chicago é 200 anos mais nova do que Boston, mas tem muita personalidade. Situa-se mais ou menos na mesma latitude, no extremo norte, à franja do Lago Michigan. Do outro lado, estende-se o Canadá branco e gelado.

Quando o Cléo Kuhn fala em “frente fria que vem da Argentina”, você estremece, não é? Bem. As frentes frias que acometem essa faixa dos Estados Unidos vêm galopando do Polo Norte. No caso de Chicago, elas raspam as águas do Lago Michigan, que, no inverno, muitas vezes fica com a superfície congelada. Chicago é chamada de Windy City, a cidade dos ventos. Calcule, agora, a sensação térmica que esses ventos produzem quando encanam pelas avenidas retas como corredores de apartamento.

O frio de Chicago é coisa séria. Ainda assim, vale a pena caminhar pela cidade e contemplar sua arquitetura de ficção científica. Dizem que a palavra “arranha-céu”, do inglês “skyscraper”, surgiu em Chicago, porque um dos elevadíssimos prédios da cidade foi construído em forma de vela de navio. As pessoas olhavam para o prédio e imaginavam que, se o barco navegasse, arranharia o céu, de tão alto. Donde…

Em Illinois, Estado do qual Chicago é a principal cidade, não há tantos brasileiros como em Massachusetts, Estado do qual Boston é capital. Algumas localidades que cercam Boston, como Somerville, Framingham e Everett, são tomadas por brasileiros. Em Somerville, a proporção de brasileiros da população é a mais alta do mundo em cidades estrangeiras: 12%. Às vezes vou lá, quando sinto saudade do pudim de leite condensado. Chega a ser estranho. Nos restaurantes, só se fala português. Nas ruas, há tantas bandeiras do Brasil, que parece jogo da Seleção.

Em Chicago não é assim. Não existem localidades brasileiras. Você se sente mais longe do Brasil. E está.

 

gibsons

 

Fui a muitos lugares bonitos, mas o que mais gostei foi um restaurante chamado Gibsons. Amigos que moram em Chicago disseram-me que jamais haviam provado carne igual à servida lá, egressa de meigas vacas criadas em fazendas do Minnesota. Sentei-me e o garçom, no primeiro minuto do primeiro tempo, já perguntou se eu queria carne. Lembrei-me do velho Kit Carson, companheiro de Tex Willer, e disse que queria um bife de quatro dedos de altura. O garçom sorriu, deslizou até a cozinha e de lá voltou com uma tábua em que se equilibravam três grandes pedaços de carne fresca feito a primavera.

– O senhor prefere sabor ou maciez? – perguntou.

– Sabor, man! Sou gaúcho! Lá de onde venho, há quem aprecie mais gordura e osso do que carne, exatamente por causa do sabor.

– Sem dúvida, o melhor sabor está perto do osso.

Depois desse elucidativo diálogo, ele seguiu fazendo sugestões com a autoridade de quem conhece seu ofício, como um garçom uruguaio. Garçons uruguaios têm firmeza e opinião. E jamais, eu disse JAMAIS!, anotam. Aquele garçom tampouco anotava.

A carne que nos serviu foi, de fato, deliciosa, mas não a melhor que já provei (sou gaúcho!). De qualquer forma, comemos muito bem. Na saída, não saímos. Ficamos no bar, na parte da frente do restaurante, onde um pianista fazia alegria sem fazer barulho. Sentamos em bancos altos e pedi um Martini seco como uma paixão extinta, com duas azeitonas dentro.

Dois elegantes negros de smoking, categoria Obama, entraram, acompanhados de mulheres vestindo longos. Cumprimentaram o pianista com intimidade e deixaram, cada um, uma nota de 20 dólares dentro do pote de vidro que estava sobre o piano.

O pianista tocava e cantava com graça. Percebeu que a nossa mesa estava mais empolgada e perguntou de onde éramos.

– Brazil!

Ele sorriu e atacou de Tom Jobim, colhendo nossos aplausos entusiasmados. Seguiu numa enfiada de Bossa Nova, enquanto eu pedia mais um Martini – as azeitonas estavam ótimas. Quando chegou à Aquarela do Brasil, confesso que me deu certa emoção, até porque combinei a música com o terceiro Martini. Antes de sairmos, o pianista foi falar conosco, agradecido. Agradecemos também. Coloquei dois dólares no pote em cima do piano. Não ia dar 20. Sou brasileiro, poxa.

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David Coimbra

Jornalista

Gaúcho que mora em Boston

* Texto publicado em Zero Hora no dia 03/01/2017

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